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  • Por: Correio Braziliense

Com Domingos Montagner, filme "Vidas Partidas" escancara o preconceito contra vítimas de v

Filmado em Recife, "Vidas partidas" conta a história de um casal que, antes cheio de amores, vê a relação ruir pelo sentimento de posse do marido.

Agressão contra mulher é tema central do longa. Foto: Europa FIlmes divulgação

Marido gaúcho mata mulher e tenta forjar cena de assalto; mulher carioca dá entrevista desfigurada, por ter sido queimada pelo marido, e uma moça cearense recorre à medida protetiva, diante do pai, que a obriga a engolir lixo, e da mãe, que a segura para as sessões de espancamento. O emaranhado de dados que parece digno de manchetes sensacionalistas, na verdade, dão base para a arte da atriz e produtora, Naura Schneider, há nove anos, engajada na luta contra a violência doméstica. Numa série de pesquisas, Naura — ex-repórter da RBS e atriz da Globo — buscou entendimento para um áspero universo feminino, em parte retratado no longa Vidas partidas, que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (4). “No começo, fiquei com raiva de ver mulheres em situações que achava que poderiam sair, mas depois fui entendendo as particularidades dos casos. É difícil julgar, porque elas só queriam poder viver bem com os companheiros”, observa a fundadora da Voglia Produções, que respondeu pelo média-metragem Silêncio das inocentes, premiado documentário sobre a Lei Maria da Penha. Nos futuros projetos, Naura inclui uma série para a tevê chamada Mulheres em risco. “Vivemos ainda numa sociedade muito machista e as mulheres ainda têm que lutar muito pelo seu espaço”, ressalta.


Talento

Vidas partidas conta a história de um casal, Graça (Schneider) e Raul (Domingos Montagner), que, antes, cheio de amores, vê a relação ruir pelo sentimento de posse do marido. O desandar da relação caminha para a violência física, já que Raul não aceita o crescimento pessoal de Graça. “Nisso, não vejo nada de panfletário. Acho que contamos a história de milhares de casais”, observa a produtora que repassou a direção para Marcos Schechtman (de Caminho das Índias). O cineasta foi arregimentado junto com o roteirista, José de Carvalho, em escolhas que independeram do sexo. “Queria um profissional bom, com sensibilidade e talento”, observa a produtora. Vidas partidas será o segundo título de Naura, que teve experiência com Dias e noites (2008). “Tive a realização do meu primeiro longa, de ter começado sozinha, do zero, e ter reunido mais de 80 pessoas comprometidas com as filmagens e, com aquele filme, poder falar de uma mulher que queria ter uma voz nos anos de 1960, sem se sentir subjugada pelos homens”, comenta. O poder transformador do cinema entusiasma a atriz. “Arte e cultura podem ser a melhor forma de você passar conhecimento ao outro. Gosto muito do que vejo no Vidas partidas. O filme leva a reflexões muito importantes para todos nós: como não deixar isso acontecer em nossas vidas ou como sair de uma relação que gera dor permanente como a da violência?”, conclui.


Três perguntas // Marcos Schechtman, diretor


Como se descolou do domínio na linguagem de tevê?

Na tevê, trabalhamos na clave do melodrama, do folhetim, formando um mosaico de personagens. O cinema me permitiu um olhar mais intimista, uma narrativa não linear, densa. Centrado nesta relação perversa, simbiótica, de um casal que envereda pela violência, houve subjetivação maior: um mergulho em questões psicológicas mais subterrâneas. Como podemos permitir que este tipo de relação doentia prolifere? Que mecanismos subjacentes levam a histórias trágicas e a esta subjugação absurda das mulheres? Busquei a verdade em cena, sem nenhuma concessão.


Foi difícil não demonizar o homem no enredo de Vidas partidas?

Sempre temos de nos colocar no lugar do outro (seja gênero, etnia ou cultura distintas) para poder rotacionar o ponto de vista da trama. Numa cultura essencialmente machista como a nossa, sempre me fascinou a capacidade de resistência e superação das mulheres, a sutil inteligência de lidar com o adverso. Acho que esta inversão do olhar, este deslocamento de perspectiva é essencial para mergulhar no sentido mais profundo do feminino. Narrar histórias de grandes mulheres é absolutamente apaixonante. Não queríamos contar de uma maneira simplista, maniqueísta, a relação de um casal doentio — ao estilo uma louca folia. Evitamos a perda da perspectiva de quem seja vítima ou algoz. O que fizemos foi aproximar a lente da câmera também deste homem agressor, na linha da proximidade e obrigando a lidar com nossos próprios demônios.


O que mais te espanta no tema da violência contra a mulher? Viu avanços de magnitude na questão?

As estatísticas de violência doméstica são assombrosas, e como podemos não ficar impactados quando sabemos que três em cada cinco mulheres já sofreram algum tipo de violência. A Revolução Francesa nos trouxe a noção de cidadania, evocando a soberania do indivíduo em detrimento do anterior poder absoluto do Estado. Mas tal qual a democracia grega contemplava apenas os homens livres, ainda não tivemos uma verdadeira noção de cidadania do feminino. E como a divisão do trabalho surge na história da humanidade baseado na divisão de gêneros, carregamos no imaginário conceitos patriarcais muito arraigados, que remontam à pré-história, no processo de sedentarização do homem. Urge reformularmos todo nosso processo educacional e cultural na percepção da igualdade de gêneros, para um mundo igualitário.




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