Delicadeza e muita emoção em "A Garota Dinamarquesa", novo filme de Tom Hooper
- por, Andrew L. Fernandes
- 22 de fev. de 2016
- 3 min de leitura
Depois de conferir a notícia, no ano passado, de que "A Garota Dinamarquesa" foi aplaudido de pé no Festival de Veneza, alavancou ainda mais a minha convicção de que seria um dos melhores filmes de 2016. Ao me emocionar com a história real dos pintores Einar e Gerda Weneger, brilhantemente interpretados por Eddie Redmayne (A Teoria de Tudo) e Alicia Vikander (Eu sou Ingrid Bergman), não restaram dúvidas de que a espera para o lançamento nos cinemas brasileiros valeu a pena.

Ambientado na Copenhague de 1926, a trama revela o cotidiano de Einar, cuja arte lhe proporcionou exibições na capital da Dinamarca, enquanto que a esposa Gerda, colega de profissão, busca o próprio lugar ao sol. O amor incondicional, a cumplicidade e a união do casal se assemelham bastante aos de amigos muito íntimos, como se pode evidenciar em cada segundo do filme. Enquanto Gerda está em fase de preparação de um dos quadros, o qual retrata uma bailarina, solicita a ajuda do marido como modelo, que segura um vestido contra o corpo e utiliza um par de sapatilhas. Esta cena é uma nas quais Eddie Redmayne mais brilha. A expressão facial ao percorrer os dedos pelo vestido, ao sentir os sapatos nos pés e suspirar com aquele simples ato é indescritível. Cada toque parecia revelar e despertar algo dentro do personagem.
Ao serem surpreendidos por uma amiga, que passou a chamar o pintor carinhosamente de Lili, Einar e Gerda concordam em fazer uma brincadeira na qual o marido se vestiria como uma mulher, que seria apresentada como uma prima, a fim de ver a reação das pessoas em uma festa. O que foi planejado como uma brincadeira se revelou algo mais profundo: uma experiência de autoconhecimento e afirmação. Lili, que desde a infância já existia dentro do personagem, foi despertada. Não poderia mais se ocultar dentro de Einar em uma sociedade que considerava o caso dele motivo para perfurar os dois lados da cabeça, submetê-lo a tratamento radioativo e, por fim, interná-lo em um manicômio por esquizofrenia.
O longa transcorre de forma extremamente delicada, com fotografia e interpretações de tirar o fôlego. Leva os espectadores a se colocarem na pele de Lili e se olharem no espelho, tal como fez a personagem em seu processo de afirmação, e reconhecerem que todos são seres humanos. Portanto, devem ser respeitados pelas características únicas que os definem.
Um elemento relevante do filme é o de mostrar todos os lados dos envolvidos na trama e salientar o amor incondicional. Embora vivesse em uma época repleta de preconceitos, é tocante a maneira como Gerda procura compreender as dores e as dificuldades de Einar, dando-lhe suporte para expressar o verdadeiro eu em meio a uma sociedade que o massacraria, mesmo que ela não fizesse a menor ideia do que se tratava a identidade de gênero. Mostra que, diferente da maioria das pessoas, que prefere dar as costas e não amar e aceitar os outros como são, ela era uma mulher muito a frente do próprio tempo. Através desse amor, Lili Elbe encontra forças e apoio da esposa para se submeter a um procedimento cirúrgico jamais realizado através do qual teria um corpo feminino, fruto do próprio desejo dela.
Outro crédito que se deve dar ao filme foi ter se debruçado a respeito da diferença entre identidade de gênero e orientação sexual, terminações que ainda permanecem sob o manto da ignorância, em pleno século XXI.
Uma coisa é certa: "A Garota Dinamarquesa" vai arrancar lágrimas e mostrar como era dura a realidade e a violência a qual estavam submetidos os transexuais. Situação que, mesmo noventa anos depois da trama baseada em fatos reais, infelizmente continua alarmante no Brasil, por exemplo, país que mais mata essas pessoas no planeta. Realmente se espera que o filme abra os olhos de quem não compreende ou sequer se esforça para se inteirar sobre a transexualidade. Porém, ao ouvir alguns risos contidos dos espectadores ao verem Einar Weneger usar roupas femininas, e escutar um homem na saída do cinema explicar para a acompanhante dele que o personagem havia nascido com um problema, vê-se que precisamos avançar ainda muitos passos. Infelizmente, Lili Elbe, como outros iguais a ela, não nasceram no corpo errado. Nasceram em uma sociedade errada.
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