top of page

“Eu quero mudar de vida”

  • por Vandeck Santiago
  • 27 de out. de 2015
  • 3 min de leitura

O esforço é um instrumento poderoso de transformação, mas não é garantia de que no final o resultado sempre será positivo.

A história de Adeildo Araújo da Silva é um exemplo das adversidades que muitos dos brasileiros enfrentam para tentar concretizar o sonho de mudar de vida. Ele tem 39 anos e trabalha como confeiteiro numa padaria. Não está satisfeito; diz que trabalha de domingo a domingo e gostaria de exercer outra profissão. Viu no Enem a chance de entrar numa universidade pública. Fez as provas no sábado, mas domingo chegou quatro minutos atrasado e foi eliminado. Agora, só para o ano. Mas, se queria tanto o Enem, por que não saiu mais cedo de casa? Ele saiu; na verdade, saiu mais cedo que todos os outros candidatos. É que precisou antes dar expediente na padaria onde trabalha. “Estava trabalhando desde as 5h horas e não deu tempo. Pedi ao meu chefe para sair mais cedo, mas não consegui”, disse ele ao jornal Estado de S. Paulo. Quando chegou na esquina do local das provas (Uninove da Barra Funda, zona oeste de São Paulo) ele viu que os portões já estavam fechados. Era a primeira vez que fazia o Enem. O repórter que o entrevistou notou que Adriano ainda estava “com a camiseta suja de farinha”. Ele parou de estudar há mais de 20 anos, quando era adolescente, porque precisava trabalhar. Retornou agora incentivado pela mulher e motivado pela vontade de viver diferente: “Essa vida de trabalhar de domingo a domingo não é para mim. Quero mudar”. O que ele está dizendo, com outras palavras, é que deseja ascensão social e profissional. Confeiteiro é o profissional que decora bolos, doces e tortas, e executa, inventa e recria receitas dessas guloseimas. Dependendo da pessoa e do ambiente, é chamado também de cake designer. A matéria não diz o porte da padaria que emprega Araújo, qual a formação dele como confeiteiro, há quanto tempo trabalha na área, se é especialista em algum item. Nem onde mora, nem se consegiu construir algum patrimônio nesses anos todos só de trabalho e longe dos estudos. Também não sabemos se ele se preparou para as provas, se esperava uma boa nota. Temos só um nome com sobrenome emblemático – Araújo da Silva – e um brasileiro que aos 39 anos está sonhando em mudar de vida. Tomara que eu esteja enganado, mas duvido que voltemos a ouvir falar dele. Sua história nos remete à questão do esforço. Não se pode dizer que ele não esteja, em sua vida, esforçando-se para sobreviver, para cuidar da família e agora para tentar mudar de vida. Do período em que parou de estudar – há duas décadas – até agora, muita coisa mudou para melhor. O próprio Enem é um dos pontos positivos da mudança. Passada essa etapa, há programas que possibilitam ao estudante a entrada e permanência numa universidade. O problema é que brasileiros como Adeildo estão numa corrida na qual sequer se encontram na linha de partida – estão lá atrás. Não dependem apenas de si (Adeildo, por exemplo, não teve sequer a compreensão do chefe para sair um pouco mais cedo). A luta deles é para conseguir chegar à linha de partida e daí entrar pra valer na competição. Sou um entusiasta do esforço, é um instrumento poderoso de transformação, capaz de nos fazer superar grandes obstáculos e concretizar sonhos. Mas uma sociedade não se transforma apenas pelo esforço dos seus filhos menos favorecidos. É preciso ações, programas, estímulos, decisões que procurem garantir a pessoas como Adeildo o direito de estar na linha de partida na hora que soar o disparo para a corrida começar.

Foto: J Duran Machfee/Estadão Conteúdo

Comments


© 2023 por Fazendo Barulho. Orgulhosamente criado com Wix.com

bottom of page