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Só é bom depois de morto.

  • 6 de out. de 2015
  • 3 min de leitura


Não quero parecer pessimista nem dramático, mas desconfio que em relação ao ódio político nós já ultrapassamos a linha amarela do inaceitável. Estamos em marcha acelerada para a apologia da violência, como se viu ontem, em Belo Horizonte, no enterro de José Eduardo Dutra, ex-presidente nacional do PT e ex-senador por Sergipe. Ocupantes de um carro jogaram na frente do local da cerimônia panfletos com a frase “Petista bom é petista morto” e outros com uma montagem desrespeitosa à presidente Dilma Rousseff. Mais tarde um grupo de quatro pessoas protestou no local, empunhando cartazes com os dizeres: “Lula amigo seu nem morto” e “Lula sua hora tb tá chegando” (mantida a grafia original).


Faz tempo que estou neste ramo de observador da política - cobri o final da ditadura e a redemocratização, acompanhei eleições de gente que se odiava pessoal e politicamente, mas é a primeira vez que vejo atos de desrespeito a um morto, durante o funeral. Até crime é, conforme o Artigo 209 do Código Penal (Impedir ou perturbar enterro ou cerimônia funerária), com pena prevista de um mês a um ano, ou multa. Dutra morreu de câncer, no último domingo, aos 58 anos, na capital mineira, onde estava morando com a mãe. Em fevereiro passado o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega foi xingado de “filho da p…” no salão do hospital Alberto Einstein (SP), quando acompanhava a mulher, que faz tratamento contra o câncer. Ao entrar no elevador, uma senhora cujo filho também estava em tratamento lá, reconheceu o ministro. Vejam o relato da cena, postado por esta senhora, na página dela no Facebook: “Ele estava acompanhado de uma senhora e por isso não quis baixar o nível mas não consegui me segurar. Enquanto descíamos, em que o elevador parou em vários andares, perguntei aos demais passageiros se não estavam sentindo um cheiro muito ruim. Todos se tocaram da indireta e começaram a abanar seus narizes, comentando entre uns com os outros que, realmente, o fedor estava insuportável”. Não são os únicos atos dessa natureza, como já noticiado pela imprensa, mas talvez sejam os mais emblemáticos, pelo que revelam: xingamentos e desrespeito dentro de um hospital e em uma cerimônia fúnebre. Se eu fosse leitor de Maiakóvski e dado a conclusões dramáticas, diria que o próximo passo é os xingadores invadirem a casa de quem desejam xingar. Como não sou uma coisa nem outra, sendo apenas um observador que procura ver a realidade para traduzi-la para o leitor, digo que o próximo passo pode vir em outra direção - na direção do revide violento dos que se sentem atingidos. Minha impressão é que esse tipo de reação tem sido evitado pelo risco que traz de causar problemas ao governo Dilma, conturbando ainda mais o ambiente já extremamente desfavorável à administração. Esse tipo de situação não interessa a nenhuma das forças que disputam o poder com chances de vitória. Até porque o que hoje se faz contra uma determinada força, amanhã pode ser desencadeada por esta contra outra, quando os papeis de governo e oposição estiverem trocados. Do ponto de vista numérico, quem tem praticado estes atos de barbárie é a minoria da minoria - mas sua capacidade de causar danos, pessoais e políticos, vai muito além disso. E pode expandir-se quando não contida com energia. A omissão dos partidos e líderes políticos oposicionistas na condenação a estes atos é irresponsável. Uma posição clara e enérgica deles teria inclusive um efeito de orientação moral para pessoas que, não sendo integrantes destes grupos, apoiam alguns dos seus atos por não perceberem as suas consequências. Para o bem da democracia, os que fazem a apologia da violência contra os adversários devem ser isolados e combatidos com os instrumentos políticos e jurídicos que a democracia coloca à nossa disposição. As vítimas dessa prática violenta não são os integrantes do partido A ou B - somos todos nós. Foto: Paulo Filgueiras/E.M./D.A. Press

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